quinta-feira, junho 23, 2005

INFERNO DE CIÚMES - I / II

I

Este inferno de ciúmes
onde vives enjeitada
põe-te a alma angustiada
e tua boca aos queixumes.

Se na hora que presumes
estar sempre abandonada
bom será, ó minha amada,
que ardas em brandos lumes.

O amor muda de feição
se algum “sim” parece “não”
e ficamos transtornados...

Que faria se no mundo
todo o mal fosse tão fundo
e não houvesse apaixonados ?


II


Ciúmes mais ciúmes dá doença
ciúmes por ciúmes dá vingança
ciúmes com ciúmes dá matança
ciúmes sem ciúmes malquerença.

Inferno de ciúmes abastança
de quem se torna rico sem avença
por falta de um amor que tudo vença
e dê ao coração a doce esperança.

Ciúme é fogo que arde em toda a gente
por uma falsa fé que nem se sente
e mata do amor o seu perfume ...

Ó mundo deste mundo de quem ama
quando descobrirás a astuta trama
que te pôs no destino este ciúme ?



Frassino Machado
In CORAÇÕES ANSIOSOS

HÁ SEMPRE UM AMANHÃ

Tu, amiga, que passaste
pelo fiel do desamor
aproveita o que sonhaste
talvez tenhas mais calor.

É assim o mundo que temos:
no princípio tudo bem,
depois quando nada temos
não contamos com ninguém.

Desde os tempos mais antigos
fez Deus este mundo assim
nele somos filhos pródigos
Ele nos quer a ti e a mim.

O amor humano é ilusão
como a vela enquanto dura
mas se houver um apagão
toda a alma fica escura.

Não vale a pena chorar
nem morrer de comoção
vale a pena, sim, gritar
vai-te embora coração !


Frassino Machado
In OS FILHOS DA ESPERANÇA

FOLHA SOLTA AO VENTO


Eu sou a árvore da estival estação
de copa verdejante e de rebento
com frutos renascidos de momento
a serem recolhidos pela mão.

Tu és aquela folha solta ao vento
que sopra intermitente de suão
e vinda para mim diz-me a razão
de ser desta loucura e tormento.

Está perto de mim o fiel Outono
com muitas destas folhas agitadas
que vagueiam no espaço sem ter dono...

Irmãs das mesmas folhas estas penas
são nos meus sonhos todas misturadas
lembrando que d’ amor serão eternas !


Frassino Machado
In OS FILHOS DA ESPERANÇA

PALAVRAS SINGELAS

Em homenagem a
Eugénio de Andrade


Quiseste ser este o mês
em manhã fresca de Junho
renasceste uma outra vez
para novo testemunho !

Tua vida foi viagem
por palavras bem singelas
p' ra nós todos a mensagem
por veredas paralelas.

Mãos suaves coloridas
traçando linhas direitas
tudo simples como as vidas
em poéticas perfeitas.

Palavras de água fluente
num olhar da cor do mar
com sonhos feitos de gente
sempre pronto a navegar.

Poeta de vida jucunda
nascido p' la noite dentro
geraste raiz profunda
com brilho forte no centro.

Poeta de alma e sinfonia
batuta solta e coragem
sonoridade e harmonia
na mais afável miragem.

Quem Eugénio não entende
por ter postura suave
vê-se que não compreende
da poesia o milagre !


Frassino Machado
In AS MINHAS ANDANÇAS

quinta-feira, junho 16, 2005

OS LAUREADOS DO OLIMPO - EUGÉNIO DE ANDRADE

EUGÉNIO DE ANDRADE ( 1923 - 2005 )

É um dos mais lidos e traduzidos dos poetas portugueses vivos. Após algumas tentativas juvenis que mais tarde repudiou, impôs-se definitivamente no panorama da actual poesia portuguesa com "As Mãos e os Frutos" (1948). Contemporâneo dos movimentos neo-realista e surrealista, quase não acusa influência de quaisquer escolas literárias, propondo uma poesia elementar, cuja musicalidade só encontra precedentes na nossa lírica medieval, ou num poeta como Camilo Pessanha, que Eugénio de Andrade assume - a par de Cesário Verde - como um dos seus mestres.Se muitos poetas portugueses da nossa época são marcados pelo desencanto, "Eugénio de Andrade vai buscar ao paraíso da infância, à intimidade com a terra, à pura felicidade de se ter um corpo a fulgurante alegria de alguns momentos privilegiados". Esta poesia à qual se tem chamado solar vai acusando, todavia, o peso do tempo, especialmente desde "Rente ao Dizer" (1992) até a "O Sal da Língua" (1995).Os 50 anos da sua vida literária de Eugénio de Andrade foram assinalados no Porto com um colóquio internacional sobre a sua obra, cujas actas estão agora disponíveis no primeiro número dos "Cadernos de Serrúbia", editados pela sua Fundação, a Fundação Eugénio de Andrade.

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ADEUS

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

- Faleceu a 14-06-2005

quarta-feira, junho 15, 2005

EXCELSA DIVA

Abarca o excelso lume e o calor
Mesmo sabendo o lado pior da vida,
É com prazer que vive renascida
Rumo ŕ confiança que lhe traz o amor.

Imaculado sonho em grăo primor
Com a veia de poeta engrandecida
A alma de beleza enriquecida
Mais lhe dá a finura e o vigor.

Imensa a verde seara germinada
Razăo de amor que o sonho iluminou
Alargado p´la fresca madrugada.

Na aurora da Cultura se lançou
Diva desta poesia estruturada
América, teu nome já brilhou !



Frassino Machado
In AS MINHAS ANDANÇAS

FEMINILIDADE E ALMA GÉMEA





Parafraseando
0
« Príncipe de Amarante »


( Teixeira de Pascoaes )




Alma gémea da minha, quando por mim passas
cruzas teus doces olhos com os meus
e reflectindo neles a cor dos céus
parecem-se quais duas delicadas garças...

Alma gémea da minha, quando tu sorris
transmites o teu ser multicolor
e agitando por ele seu esplendor
constróis as formas dos meus sonhos juvenis.

Alma gémea da minha, quando tu me chamas
ouço a tua doce e maviosa boca
e refractando nela a emoçăo louca
projectas em cançőes toda a paixăo das almas.

Alma gémea da minha, quando tu m'enlaças
trazes-me horizontes de prazer
e gerando alegrias no meu ser
crias perenes vidas, esculturais graças.

Alma gémea da minha, quando 'stás em mim
mudas a forma em claros relampejos
e queimando minh'alma de desejos
ofertas em bandeja imagem de marfim.

Alma gémea da minha, quando o sol vier
trará dourada luz pela manhă
e chegando até mim construirá
o mais escultural modelo de mulher !


Frassino Machado
In CORAÇŐES ANSIOSOS


ETERNOS SILÊNCIOS

Há silêncios sem fim em toda a vida humana
silêncios estes que pr' a tudo săo resposta
e o primeiro de todos quando a morte arrosta
sem qu' ela explique se é eterna ou profana...

Esta é a mais rude e mais ultramundana
de todas as verdades que ao homem desgosta
pois a vida que tem sabe que lhe é imposta
e a resposta é ignorância triste e desumana.

Qu' importa se há ou năo aquela eterna vida
se em cada hora e território há sempre alguém
qu' a esse sonho alimenta e lhe dá guarida ?

E entre o sonho e o nada o que é que nos convém ?
Esfarrapar o nada e ao sonho dar mais vida
qu' os eternos silêncios năo medram ninguém !



Frassino Machado
In ODISSEIA DA ALMA

quarta-feira, junho 01, 2005

OS LAUREADOS DO OLIMPO - VIRGILIO




PUBLIO VIRGILIO MARON

( Andes 70-Brindisi 19 a. de C. ):

Nasceu perto de Mântua, na Galia Cisalpina. A sua educação, iniciada em Cremona e continuada em Mediolano ( Milán ), foi completada em Roma. Pensava exercer a advocacia ; porém, depois de uma actuação desafortunada nos tribunais, o modesto e tímido jovem regressou à sua herdade y começou a escrever. Mais tarde, no ano 41, foi desapossado daquela propriedade quando aos veteranos de António, responsáveis pela campanha Filipense, houve lugar à recompensa através da entrega de terras. O poeta dirigiu-se à capital e protestou contra a perca de suas terras. Por informações da parte do político e escritor Asinio Polião as propriedades foram restituídas a Virgílio e a seu irmão, pois que seu pai acabara por falecer. Por sua estadia em Roma procurou e obteve um maior benefício, pois conheceu a Octávio – futuro imperador – e a seu brilhante conselheiro, Caio Mecenas, que se tornariam posteriormente seus amigos e confidentes. Passou os anos entre 37 e 29 a. C. em Nápoles e suas proximidades, onde a sua timidez, observada com carinho e ternura pelos napolitanos, valeu-lhe o apelido de Parthenias ( a Donzela ). N o ano 19 partiu para Atenas com o propósito de completar a sua revisão final da ENEIDA ; porém, quando apareceu Augusto naquela cidade, este recomendou-lhe que regressasse a Roma e mandou recolher o seu manuscrito inacabado. Uniu-se assim ao séquito imperial . Antes que o navio chegasse a Itália caiu doente e morreu em Brindise, em 21 de Setembro. No ano 37 publicou suas BUCÓLICAS ou Éclogas, nas quais proclama a chegada a uma Idade do Ouro, que há-de ser anunciada, pelo nascimento de um Menino Divino. Estas dez breves Éclogas de carácter idílico ( à excepção da quarta, que é um panegírico da Casa de Augusto ) tiveram grande sucesso.


BUCÓLICAS

Cicilianas Musas, o meu canto
elevo. Canto aos bosques os sublimes
feitos de polião, dignos de verso
Cumano a Idade de Ouro. A ordem
dos séculos está para retornar.
A virgem Astrea, o reino de Saturno,
e nova progênie renascerão.
Advirá como o Menino Salotino
a Idade de Ouro e findará a do ferro.
Apolo e a deusa Diana reinarão.
Polião, o filho salunino, cônsul
e honra dos séculos, dará inicio
aos grandes meses que decorrerão,
desfazendo vestígios da maldade
dos frustrados que fugirão de medo.
Terá a vida dos deuses o herói
e virtude do mundo sobre a pátria.
Ao menino de Polião dará a hera,
Que sobe desgarrada, a erva bacar
(contra a olhadura) e o acanto.

……………………..

« E N E I D A »

LIBRO I


Canto las armas y a ese hombre que de las costas de Troya

llegó el primero a Italia prófugo por el hado y a las playas lavinias,

sacudido por mar y por tierra por la violencia de los dioses

a causa de la ira obstinada de la cruel Juno,

tras mucho sufrir también en la guerra, hasta que fundó la ciudad

y trajo sus dioses al Lacio; de ahí el pueblo latino

y los padres albanos y de la alta Roma las murallas.

Cuéntame, Musa, las causas; ofendido qué numeno dolida

por qué la reina de los dioses a sufrir tantas penas

empujó a un hombre de insigne piedad, a hacer frente a tanta fatiga.

Tan grande es la ira del corazón de los dioses?

Hubo una antigua ciudad que habitaron colonos

de Tiro, Cartago, frente a Italia y lejos de las bocasdel Tiber,

rica en recursos y violenta de afición a la guerra;

de ella se dice que Juno la cuidó por encima de todas las tierras,

más incluso que a Samos. Aquí estuvieron sus armas,

aquí su carro; que ella sea la reina de los pueblos,

si los hados consienten, la diosa pretende e intenta.
...........................................

Más y más encendida por todo esto,

agitaba a los de Troya por todo el mar,

resto de los dánaos y del cruel Aquiles,

y los retenía lejos del Lacio. Sacudidos por los hados

vagaban ya muchos años dando vueltas a todos los mares.

Empresa tan grande era fundar el pueblo de Roma.

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