Luís Vaz de Camões, 1524 - 1580
Vão as serenas águas
Do Mondego descendo
Mansamente, que até o mar não param;
Por onde minhas mágoas
Pouco a pouco crescendo,
Para nunca acabar se começaram.
Ali se ajuntaram neste lugar ameno,
Aonde agora mouro, testa de neve e ouro,
Riso brando, suave, olhar sereno,
Um gesto delicado,
Que sempre n'alma m'estará pintado.
Nesta florida terra,
Leda, fresca e serena,
Ledo e contente para mim vivia,
Em paz com minha guerra,
Contente com a pena
Que de tão belos olhos procedia.
Um dia noutro dia
O esperar m'enganava;
Longo tempo passei,
Co a vida folguei, só
Porque em bem tamanho me empregava.
Mas que me presta já,
Que tão fermosos olhos não os há?
Ó quem me ali dissera
Que de amor tão profundo
O fim pudesse ver ind'algüa hora!
Ó quem cuidar pudera
Que houvesse aí no mundo
Apartar-m'eu de vós, minha Senhora,
Para que desde agora
Perdesse a esperança,
E o vão pensamento,
Desfeito em um momento,
Sem me poder ficar mais que a lembrança,
Que sempre estará firme
Até o derradeiro despedir-me.
Mas a mor alegria
Que daqui levar posso,
Com a qual defender-me triste espero,
É que nunca sentia
No tempo que fui vosso…
Quererdes-me vós quanto vos eu quero;
Porque o tormento fero
De vosso apartamento
Não vos dará tal pena
Como a que me condena:
Que mais sentirei vosso sentimento,
Que o que minh'alma sente.
Moura eu, Senhora, e vós ficai contente!
Tu Canção, estarás
Aqui acompanhando
Estes campos e estas claras águas,
E por mim ficarás chorando
E suspirando,
E ao mundo mostrando tantas mágoas,
Que de tão larga história
Minhas lágrimas fiquem por memória.
Luís Vaz de Camões
In TROVAS & CANÇÕES
***
BIOGRAFIA
BREVE
LUÍS VAZ DE CAMÕES nasceu por volta do ano
de 1524 e não se sabe ao certo onde terá nascido. Acredita-se que tenha sido em
Lisboa. Filho de Simão Vaz de Camões e de Ana Sá.
Ao que tudo indica, Luís pertencia a uma
família de pequena nobreza. O que pode comprovar este facto é um documento
oficial, denominado “A carta do perdão”, de 1553, que o referencia
como Cavaleiro Fidalgo da Casa Real.
Luís de Camões estudou em Coimbra, no
mosteiro de Santa Cruz, onde teria tido como mestre de Cultura e Línguas
Clássicas um tio monge célebre. O poeta sempre refere em sua lírica que passou
muito tempo nas margens de Mondego. Não existe nenhuma prova que ele tenha
ingressado na recente universidade desta cidade já que, por questão e
conveniência familiar, não teria nisso vantagem. Ademais o famoso mosteiro de
Santa Cruz, nessa altura, era mais prestigiado que a própria Universidade.
Viveu em Lisboa antes de 1550 e por lá
permaneceu lá pelo menos até 1553. Nesse ano, o jovem Luís foi mobilizado para
uma expedição militar, diz-se que por motivos disciplinares, a Ceuta, onde foi
ferido e perdeu um de seus olhos numa escaramuça contra os Mouros.
Quando voltou para Lisboa retomou
integralmente uma vida boémia. Assume-se aí como um homem dedicado à arte de
escrever, nomeadamente em Poesia. Desde sempre identifica-se como um ser humano
com uma maneira despreocupada, sarcástica e irónica, vivendo apenas desse
estilo de vida boémia dominantemente desregrada. A partir de meados dos anos
cinquenta, divide-se entre as suas amantes nobres e também plebeias.
Envolvendo-se amiudadamente em rixas e brigas, devido quase sempre a esses
amores e paixões, teve de se confrontar frequentemente com a justiça lisboeta
da época.
Numa dessas brigas, fere gravemente
Gonçalves Borges, um dos servos do Paço e é definitivamente preso. Só consegue
a liberdade com a promessa de embarcar de imediato para a Índia. Durante mais
três anos de sua vida foi soldado de baixa patente e participou em expedições
militares.
Luís de Camões também passou algum tempo
na cidade de Macau, onde terá desempenhado a função de provedor de bens de ausentes e defuntos.
Na viagem de volta a Goa naufragou e
perdeu quase todos os seus pertences conseguindo somente salvar os manuscritos
de “Os Lusíadas“, que veio a ser publicado apenas em 1572, depois de ter
regressado Lisboa.
Apesar de receber cerca de 40 réis por
dia, “em respeito aos serviços prestados na Índia e pela suficiência que
mostrou no livro sobre as coisas de tal lugar”, viveu ainda alguns anos em
grande pobreza e privações. Morre em Junho de 1580, no dia 10.
Algum tempo mais tarde, Dom Gonçalo
Coutinho manda gravar uma lápide em sua homenagem, que diz: “Aqui jaz Luís Vaz
de Camões, Príncipe dos Poetas de seu tempo. Viveu miseravelmente, e assim
morreu”.
As obras de Camões só foram reconhecidas
verdadeiramente depois da sua morte, sendo ele desde sempre até hoje
considerado o maior poeta português de todos os tempos, nomeadamente na arte
dos Sonetos e na universal Odisseia de OS LUSÍADAS.
DOIS
SONETOS DE CAMÕES
Alma minha
gentil, que te partiste
Tão cedo
desta vida, descontente,
Repousa lá
no Céu eternamente,
E viva eu
cá na terra sempre triste.
Se lá no
assento etéreo, onde subiste,
Memória
desta vida se consente,
Não te
esqueças daquele amor ardente
Que já nos
olhos meus tão puro viste.
E se vires
que pode merecer-te
Alguma
cousa a dor que me ficou
Da mágoa,
sem remédio, de perder-te,
Roga a
Deus, que teus anos encurtou,
Que tão
cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo
de meus olhos te levou.
*
Enquanto quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus versos escrevesse.
Porém, temendo Amor que aviso desse
Minha escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co tormento,
Para que seus enganos não dissesse.
Ó vós, que Amor obriga a ser sujeitos
A diversas vontades, quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,
Verdades puras são, e não defeitos...
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus versos!
Pesquisa de Assis Machado