OS LAUREADOS DO OLIMPO - SANTO AGOSTINHO
Entrementes - depois de maduro exame crítico - abandonara o maniqueísmo, abraçando a filosofia neoplatónica que lhe ensinou a espiritualidade de Deus e a negatividade do mal. Destarte chegara a uma concepção cristã da vida - no começo do ano 386. Entretanto a conversão moral demorou ainda, por razões de luxúria. Finalmente, como por uma fulguração do céu, sobreveio a conversão moral e absoluta, no mês de setembro do ano 386. Agostinho renuncia inteiramente ao mundo, à carreira, ao matrimónio; retira-se, durante alguns meses, para a solidão e o recolhimento, em companhia da mãe, do filho e dalguns discípulos, perto de Milão. Aí escreveu seus diálogos filosóficos, e, na Páscoa do ano 387, juntamente com o filho Adeodato e o amigo Alípio, recebeu o baptismo em Milão das mãos de Santo Ambrósio, cuja doutrina e eloquência muito contribuíram para a sua conversão. Tinha trinta e três anos de idade.
Depois da conversão, Agostinho abandona Milão, e, falecida a mãe em Óstia, volta para Tagasta. Aí vendeu todos os haveres e, distribuído o dinheiro entre os pobres, funda um mosteiro numa das suas propriedades alienadas. Ordenado padre em 391, e consagrado bispo em 395, governou a igreja de Hipona até à morte, que se deu durante o assédio da cidade pelos Vândalos, a 28 de agosto do ano 430. Tinha setenta e cinco anos de idade.
Após a sua conversão, Agostinho dedicou-se inteiramente ao estudo da Sagrada Escritura, da teologia revelada, e à redacção de suas obras, entre as quais têm lugar de destaque as filosóficas. As obras de Agostinho que apresentam interesse filosófico são, sobretudo, os diálogos filosóficos: Contra os Académicos, Da vida beata, Os solilóquios, Sobre a imortalidade da alma, Sobre a quantidade da alma, Sobre o mestre, Sobre a música. Interessam também à filosofia os escritos contra os maniqueus: Sobre os costumes, Do livre arbítrio, Sobre as duas almas, Da natureza do bem.
Dada, porém, a mentalidade agostiniana, em que a filosofia e a teologia andam juntas, compreende-se que interessam à filosofia também as obras teológicas e religiosas, especialmente: Da Verdadeira Religião, As Confissões, A Cidade de Deus, Da Trindade, Da Mentira.
A VONTADE ETERNA E IMUTÁVEL DE DEUS
por
Agostinho
É certo que muitas coisas más são pelos maus praticadas contra a vontade de Deus. Mas tão grande é a Sua sabedoria e tamanha é a Sua virtude que tudo, mesmo o que parece contrário à Sua vontade, tende para os fins e resultados que Ele antecipadamente viu como bons e justos. Por isso, quando se diz que Deus muda de vontade, que, por exemplo, fica irado contra aqueles para quem era brando, - não foi Ele mas foram os homens que mudaram e de certo modo o acham mudado nas mudanças que experimentam: tal qual como o Sol muda para os olhos enfermos - de suave torna-se de certa maneira áspero, de deleitosos torna-se molesto, embora ele próprio continue a ser o mesmo que era. Também se chama de Deus a vontade que Ele suscita nos corações dos que obedecem aos seus mandamentos e da qual diz o Apóstolo:
É Deus que opera em nós o próprio querer ( Deus enim est, qui operatur in nobis et velle - Filipenses 2:13 );
como se chama de Deus não só a justiça pela qual Ele próprio é justo, mas também a que Ele faz no homem que por Ele é justificado. Da mesma forma se chama de Deus a lei que é antes dos homens mas que por Ele foi dada; pois eram realmente homens aqueles a quem Jesus dizia:
Está escrito na vossa lei ( In lege vestra scriptum est -João 8:17 ),
embora noutra passagem leiamos:
A lei do seu Deus está no seu coração ( Lex Dei ejus in corde ejus -Salmo 37:31 ).
Conforme esta vontade que Deus produz nos homens, diz-se que Ele quer o que Ele próprio não quer, mas faz com que os seus isso queiram, como se diz que Ele conheceu o que Ele fez que fosse conhecido por aqueles que isso ignoravam. Pois, nem quando o Apóstolo diz:
Mas conhecendo agora a Deus, ou melhor, conhecidos de Deus ( Nunc autem cognoscentes Deum, immo cogniti a Deo -Gálatas 4:9 ),
é lícito que acreditemos que Deus conheceu então os que conhecia antes da criação do mundo; mas diz-se que conheceu então o que fez com que então fosse conhecido. Destas formas de expressão recordo-me que já se tratou nos livros anteriores. É, pois, conforme essa vontade ( pela qual, como dizemos, Deus quer o que faz querer ao outros, pelos quais são ignoradas as coisas futuras ) que Ele quer muitas coisas mas não é Ele que as faz.
Com efeito, os seus santos, com uma vontade santa por Ele inspirada, querem que se façam muitas coisas que não chegam a ser feitas; como rogam piedosa e santamente por alguns, mas Ele não faz o que lhe pedem, sendo Ele quem, pelo Seu Espírito, causa neles essa vontade de orar. Por isso, quando os santos querem e rogam, em conformidade com Deus, que cada um seja salvo, podemos dizer, segundo esse tipo de expressões: Deus quer mas não faz; dizemos então que Ele quer no sentido de que Ele faz com que os outros queiram. Mas, conforme essa vontade, que é sua e eterna como a sua presciência, claro está que tudo o que quis no Céu e na Terra, tanto passado e presente como futuro, fê-lo já. Mas antes que chegue o tempo em que se cumprirá como Ele quis o que antes de todos os tempos Ele previu e determinou, nós dizemos: Acontecerá quando Deus quiser; mas se ignoramos dum acontecimento, não só o momento ( tempus ) em que virá a acontecer, mas também se chegará a acontecer, então dizemos: Acontecerá se Deus quiser: não porque Deus venha a ter então uma vontade nova que antes não tinha, mas porque só então acontecerá aquilo que desde toda a eternidade está preparado na sua vontade imutável.
1 Comments:
Que maravilha!
Encantei ,com as palavras de Agostinho e me senti chamada a observar o que disse.
Sou professora de Formação Humana e Cristã e estava procurando sobre a vida de Santo Agostinho.
Gostei muitíssimo, vou indicar.
Fraternalmente,
Wanuza
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