OS LAUREADOS DO OLIMPO - SÉNECA
AMIZADE CORRECTA
O sábio, ainda que se baste a si mesmo,
deseja ter um amigo,
quanto mais não fosse para exercer a amizade,
para não deixar definhar tão grande virtude.
Ele não busca, como Epicuro,
«alguém que lhe vele à cabeceira em caso de doença,
que o socorra quando esteja em grilhões ou na indigência».
Busca alguém a cuja cabeceira de doente possa velar;
alguém que, quando implicado numa contenda,
ele possa salvar dos cárceres inimigos.
Pensar em si próprio, e empenhar-se numa amizade
com esse pensamento preconcebido,
é cometer um erro de cálculo.
A empresa terminará como começou.
Fulano arranjou um amigo para dispor,
um dia, de um libertador que o preserve dos grilhões.
Ao primeiro tinido de cadeias, lá se vai o amigo.
Tais são as amizades
que o mundo chama de «ligações temporárias».
O homem a quem se escolhe para prestar serviços
deixará de agradar no dia em que não sirva para mais nada.
Daí a constelação de amigos ao redor das grandes fortunas.
Vinda a ruína, faz-se, à volta, a solidão:
os amigos esquivam-se dos lugares onde são postos à prova.
Daí, todos esses escândalos:
amigos abandonados, amigos traídos, sempre por medo!
É inevitável que o fim concorde com o começo:
o interesse fez de sicrano teu amigo;
o interesse fará com que ele deixe de sê-lo.
Ele se mostrará sensível às vantagens
que lhe sejam oferecidas para que dessirva a amizade,
se, nesta, mostrava-se sensível
a qualquer vantagem fora dela mesma.
Qual, então, o meu objectivo ao fazer um amigo?
O de ter alguém por quem possa morrer,
a quem possa seguir no meu exílio,
a quem possa proteger com a minha pessoa,
a cuja salvação possa devotar os meus dias.
Séneca, in O SÁBIO E A AMIZADE
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