sexta-feira, fevereiro 10, 2006

OS LAUREADOS DO OLIMPO - AFONSO X


Afonso X, o Sábio

(Toledo, 1221 - Sevilha, 1284)

Rei de Castela e de Leão. Ainda infante conquista o reino muçulmano de Múrcia em nome de seu pai, Fernando III, e intervém na guerra civil que, em Portugal, opõe D. Sancho II – abandonado por grande parte da nobreza e hostilizado pela Igreja – ao seu irmão que viria a ser o futuro D. Afonso III (1245-47), e comanda as tropas que acorrem em auxílio do primeiro. D. Sancho II, vencido, refugia-se em Toledo, onde viria a morrer e onde está sepultado. Ascende ao trono com a idade de trinta anos. No começo do seu reinado toma várias praças-fortes (Cádis, Niebla, Cartagena). Após a conquista do Algarve, em oposição ao rei de Portugal, reivindica a sua posse; o longo conflito que essa pretensão provoca sana-se com o casamento de D. Beatriz, sua filha bastarda, com o próprio D. Afonso III (1253). Porém, mais do que pelos seus méritos políticos, distingue-se este rei pela sua cultura. O seu Livro das Leis ( conhecido pelo título de Sete Partidas ), utiliza-se em Portugal como fonte de saber jurídico. De sua autoria é a colectânea de Cantigas de Santa Maria, colecção de poemas devotos escrita em galaico-português.

GESTA DE ROCAMADOR

De muitas guisas los presos
solta a mui groriosa,
santa e Virgen Maria,
tant' é con Deus poderosa.

E de tal razon vos quero
contar un mui gran miragre,
que fez por un cavaleiro
bõo d'armas e de mannas
e en servir un ric-ome
cug' era, mui verdadeiro;
e foi pres' en seu serviço,
e en carcer têevrosa
o meteron e en ferros,
como gente cobiiçosa,
De muitas guisas los presos...

En tal que o espeytassen.
Mas aquel sennor cug' era
sobr'el mentes non parava;
e ele con mui gran coita
sempre de noit' e de dia
Santa Maria chamava
que acorre-lo vêesse
como Sennor piadosa,
e que dali o tirasse,
daquela prijon nojosa.
De muitas guisas los presos...

El jazend' assi en ferros
e con esposas nas mãos
e cadêa na garganta,
aque ven Santa Maria,
a Madre de Jhesu-Cristo,
que as prijões quebranta,
e en llas britar mui toste
non vos foi y vagarosa,
e disse-ll': «Erge-t' e vay-te
daquesta prijon astrosa».
De muitas guisas los presos ...

Enton deitou-ll' as prijões
ao colo e sacó-o
ante tod' aquela gente
que o guardavan, e nunca,
pero que o yr viian,
non lle disseron niente.
E tiró-o do castelo
e disse-lle saborosament':
«A Rocamador vai-te
e passa ben per Tolosa.»
De muitas guisas los presos...

E el moveu atan toste
e foi-sse quanto ss' ir pude
como ll' a Santa Reynna
mandara; mas do castelo
foron pos el cavaleiros.
E el chegou muit' agýa,
Ca o non guiou a Virgen
Per carreira pedragosa
a Rocamador, sa casa,
mas per chãa e viçosa.
De muitas guisas los presos...

E pendorou y os ferros
Logu' e as outras prijões
que ao colo trouxera;
e contou y ant' os monges
e ante toda-las gentes
todo como ll'avêera
e como Santa Maria
en tira-lo aguçosa
fora, per que mui loada
foi porend' a Preciosa.
De muitas guisas los presos...

AFONSO X ,

“Cantigas de Santa Maria”, Séc. XIII