quarta-feira, março 30, 2005

LAUREADOS DO OLIMPO - AL-MUTAMIDE

Nascido em Beja, em 1040, de uma família de poetas, após ter governado, nominalmente, Silves, vem a ocupar o trono do reino taifa de Sevilha, em 1069, sucedendo a seu pai, o cruel e astucioso Al-Mutadid.
Em 1091, para enfrentar Afonso VI de Castela, solicita o auxílio de Yusuf Ibn Tasufin, senhor dos Almorávidas. Este, após desbaratar as hostes cristãs, vira-se contra os Reinos Taifas, que conquista, um por um. Também Al-Mutamid é vencido, após dura peleja e Sevilha conquistada. O infortunado rei é desterrado para o interior de Marrocos, onde virá a falecer, com fama de grande poeta.
Durante o seu degredo, em terras de Mafoma, entre a memória de um passado auspicioso e um amargurado presente viverá Al-Mutamide um drama pessoal, que exprime em versos de excepcional força lírica. Da adversidade faz uma elegia. Das tristezas do quotidiano extrai poesia: um bando de aves entrevisto das grades da cela; a grilheta que lhe rói o tornozelo... as dores da alma.
Morre em 1095, não sem antes ter escrito um poema para o seu epitáfio. A sua personalidade, o seu drama e arte comoveram a gente do seu tempo. Ainda hoje a sua memória, ligada à trágica amizade com Ibn-Ammar, também poeta, permanece viva, muito em especial no mundo árabe; tanto assim, que o seu túmulo em Agmat é objecto de piedosas romagens de muçulmanos.



EVOCAÇÃO DE SILVES


Saúda, por mim, Abu Bakr,

os queridos lugares de Silves
e diz-me se deles a saudade
é tão grande quanto a minha.

Saúda o palácio dos Balcões
da parte de quem nunca os esqueceu.
Morada de leões e de gazelas
salas e sombras onde eu
doce refúgio encontrava,
entre ancas opulentas
e tão estreitas cinturas!

Mulheres níveas e morenas
atravessavam-me a alma
como brancas espadas
e lanças escuras.

Ai quantas noites fiquei,
lá no remanso do rio,
nos jogos do amor
com a da pulseira curva
igual aos meandros da água
enquanto o tempo passava...

E me servia de vinho:
o vinho do seu olhar
às vezes o do seu copo
e outras vezes o da boca.

Tangia cordas de alaúde
e eis que eu estremecia
como se estivesse ouvindo
tendões de colos cortados.

Mas retirava do seu manto
grácil detalhe mostrando:
era um ramo de salgueiro
que abria o seu botão
para ostentar a flor.



AL-Mutamide
In CANCIONEIRO ANDALUZ